A Comissão de Combate ao Racismo da Câmara do Rio iniciou a semana com um debate público realizado nesta segunda-feira (09), discutindo casos de desaparecimento forçado no município e políticas de identificação e atendimento psicossocial aos familiares das vítimas. De acordo com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o desaparecimento forçado é uma ação ilegal caracterizada pela privação de liberdade de uma pessoa por parte de um agente do Estado, com a falta de informações sobre o paradeiro do desaparecido.
Presidente do colegiado, a vereadora Monica Cunha (Psol) ressaltou a importância da discussão em torno do tema: “Diferente do que é dito pelo prefeito, o Rio não é uma cidade antirracista, e sabemos que quem mais desaparece nesta cidade é preto e pobre. Nossa comissão já abordou vários assuntos, e nada mais justo que discutirmos o desaparecimento forçado, que muitas vezes tem causas no racismo”.
Representando o movimento “Cadê o Amarildo”, a sobrinha do pedreiro desaparecido em 2013 na Rocinha, Michelle Lacerda falou sobre as sequelas causadas pelo sumiço de seu tio. “O Estado tirou o meu tio de casa para uma averiguação e devolveu apenas um atestado de morte presumida. Até hoje queremos saber o que aconteceu com ele. O meu tio não era nenhum traficante, como alguns disseram, e ainda que fosse, não existe prerrogativa legal para o governo torturar e desaparecer com uma pessoa. Essa é uma ferida constante, que dói todos os dias”, desabafou.
De acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio, apenas no primeiro semestre deste ano foram registrados 2.900 desaparecimentos, uma média de 483 por mês. Os dados incluem tanto o sumiço forçado quanto o comum.
Segundo o pesquisador Lucas Pedrete, é preciso que as autoridades deixem de tratar ambos na mesma medida, e passe a tipificar o crime de desaparecimento forçado. Para o especialista no regime militar, esse é um problema sistemático, com raízes no período da ditadura. “Essa violência surgiu com grupos de extermínio e suas políticas de terrorismo de Estado. Esses dispositivos sumiram com diversas pessoas que nunca foram devidamente reconhecidas como vítimas, mesmo tendo sofrido com esse problema, como muitos dos desaparecidos da Chacina de Acari”, pontuou.
O gestor técnico do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público do Rio (PLID/MPRJ), André Luiz de Souza, ressalta que o problema está na forma como o desaparecimento forçado é enfrentado. “A forma como lidamos com essa questão é disfuncional: nós fazemos política de segurança pública para lidar com o sumiço, sendo que muitos casos sequer chegam à ciência do poder público, seja por medo de repressão por parte de familiares das vítimas ou por qualquer outro motivo. Temos ainda situações que vão além da segurança, como um caso em que uma senhora morreu num hospital e o corpo foi enviado para o laboratório de uma faculdade de Medicina. A família não havia sido informada e estava dando a senhora como desaparecida”, explicou.
Também participaram do encontro Luiz Henrique, representante do programa SOS Criança Desaparecida da FIA/RJ; Izildete Santos da Silva, mãe de desaparecido; Victória Grabois, do Grupo Tortura Nunca Mais; Gislaine Kepe, da Defensoria Pública do Rio; Antonio Costa, representando a ONG Rio de Paz; e Aline Leite, do movimento Mães de Acari.