A instalação de câmeras com tecnologia de indentificação facial, prevista na Parceria Público-Privada da iluminação pública da cidade, foi tema de uma audiência pública realizada pela Câmara Municipal do Rio nesta quarta-feira (30). Das 10.002 câmeras previstas no projeto, 40% terão reconhecimento facial. Na reunião, os participantes demonstraram preocupação com a implementação do sistema. “De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), qualquer informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável é dado pessoal. Logo, por se tratarem de dados referentes a rostos humanos, as tecnologias de identificação facial são tecnologias que sistematizam e produzem fluxos de dados pessoais”, destacou o vereador Reimont (PT), presidente da comissão.
Coordenador adjunto no Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, Pablo Nunes falou sobre as experiências de algumas cidades com o uso da tecnologia, como Salvador e a própria cidade do Rio de Janeiro. Segundo ele, no carnaval de Salvador de 2019 foram feitas mais de 200 prisões a partir do uso da tecnologia de reconhecimento facial. No Rio, também em 2019, foram feitas 184 prisões e, deste total, 90% das pessoas eram negras e foram detidas por crimes sem violência, como pequenos roubos e furtos. “Apesar de a tecnologia de reconhecimento facial ser vendida como revolucionária para o sistema de segurança pública, percebemos um aumento do encarceramento de pessoas negras. Os índices criminais também cresceram no ano de implementação dos projetos ”, pontuou Nunes.
A pesquisadora na organização Coding Rights, Bianca Kremer, lembrou que, no último dia 21 de junho, dois órgãos de defesa de privacidade na Europa se posicionaram no sentido de incentivar a proibição do uso de reconhecimento facial em espaços públicos. “Precisamos reconhecer os perigos iminentes na violação dos direitos humanos nos espaços da cidade”. Já o professor na Faculdade de Direito do UniCEUB, Paulo Rená, como homem negro, afirmou que se sente inseguro com a possibilidade de adoção do uso da tecnologia de reconhecimento facial. Para o professor, a tecnologia ameaça os direitos humanos, em especial por causa da falta de regras e de controle. “A falta de regulamentação tem levado a prisões arbitrárias e a tortura”, sinalizou Rená.
O presidente da RioLuz, Bruno Bierrenbach Bonetti, fez questão de afirmar que a empresa está com as antenas apontadas para a questão de proteção de dados. “A RioLuz não é uma ilha. Estamos absolutamente atentos como os dados devem ser tratados”. Assessor especial da companhia, Ricardo Piquet ainda ressaltou que os dados só serão disponibilizados se forem requisitados.
A Parceria Público-Privada para a iluminação pública prevê o investimento de R$ 1,4 bilhão na modernização da iluminação e na conectividade da cidade nos próximos 20 anos.
O relator da Comissão Especial, vereador Alexandre Isquierdo (DEM), atentou para a necessidade do colegiado se aprofundar mais na questão da segurança jurídica. “É importante envolver outros entes na discussão do tema”, sublinhou o parlamentar.
Preocupado com o fato de o Brasil e países pobres estarem sendo usados para a comercialização do produto, o vereador Reimont apontou que é preciso, de fato, conversar com outros atores, que venham das universidades, da Defensoria Pública e das Organizações não Governamentais (ONGS), sob a ótica da garantia dos direitos humanos, dos direitos à mobilidade urbana e dos direitos das minorias. “Precisamos ir além destes movimentos, para produzir política pública para a cidade do Rio que seja respeitosa às minorias”, concluiu.
Participaram também da audiência pública Wânia Torres, da RioLuz; Ana Carolina da Hora, graduanda em Ciência da Computação na PUC Rio; e Luã Cruz, pesquisador em Telecomunicações e Direitos Digitais no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).