O dia 28 de junho é dedicado ao Movimento LGBTQIA+, uma data que marca a luta pelo reconhecimento, representatividade e respeito à diversidade na sociedade. Na Câmara do Rio, as políticas públicas voltadas à inclusão têm feito parte do debate parlamentar nas últimas legislaturas. Uma das principais legislações sobre o tema entrou em vigor há três anos, quando os vereadores aprovaram a Lei nº 6.329, de 23 de março de 2018, que assegurou às travestis, mulheres transexuais e homens trans, mediante requerimento, o direito à escolha de utilização do nome social nos atos e procedimentos da Administração Direta e Indireta Municipal.
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Quando trabalhou no gabinete do ex-vereador David Miranda, autor da lei, Wescla Vasconcelos foi a primeira funcionária do município a utilizar seu nome social. De volta ao Legislativo em 2021, agora no gabinete da vereadora Tainá de Paula (PT) como assessora parlamentar, a cearense, mulher trans, atriz e pedagoga conquistou o direito de mudar de nome nos cartórios de Registro Civil. “A Câmara Municipal do Rio de Janeiro pode apoiar e incentivar diversos projetos legislativos que tenham como foco assegurar, especificamente, os direitos para a comunidade LGBT, a começar pela regularização do nome social no âmbito da cidade”, afirma.
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Segundo Wescla, a lei do nome social ainda precisa ser efetivada, pois muitos serviços e equipamentos da cidade ainda não conseguem entender a importância da norma. “É desta forma que mulheres trans e travestis e homens transexuais devem ser respeitados”, sublinha. Mestranda em cultura e territorialidades na UFF, ela acredita também que é importante pensar, sem discriminação, no uso dos banheiros. “Nós, mulheres trans e travestis, devemos ter o nosso direito assegurado de uso nos banheiros femininos, e os homens transexuais, nos banheiros masculinos”, relata. (Veja o depoimento de Wescla na íntegra).
Lei contra discriminação
Há 13 anos, o Legislativo municipal aprovou a Lei nº 4.774, de 29 de janeiro de 2008, que estabeleceu medidas destinadas ao combate de discriminação por orientação sexual na cidade do Rio de Janeiro. A norma descreve práticas consideradas discriminatórias, como a proibição de demonstrações de afeto entre pessoas LGBTQIA+, o impedimento de acesso em qualquer espaço público e a veiculação em meios de comunicação de práticas discriminatórias, entre outras. A Lei estabelece como obrigação para o Poder Público municipal o combate a todo tipo de discriminação, com a capacitação dos servidores e a formulação de políticas de interesse específico da comunidade LGBT.
Assessora parlamentar do gabinete da vereadora Thais Ferreira (PSOL), Thaianne de Souza afirma que, mesmo com 13 anos da lei, a comunidade LGBTQIA+ ainda se depara com políticas públicas que não são suficientes na garantia das vidas e dos direitos destes cidadãos. "As casas legislativas precisam ter um olhar mais sensível para a questão e garantir políticas públicas que preservem e garantam a nossa vida, mas também que garantam outros direitos, como o acesso à cultura, à educação, à moradia digna e à renda”, diz. (Veja na íntegra o depoimento de Thaianne)
Bissexual, botafoguense e assessora da vereadora Tainá de Paula, Tatiana Castelo Branco revela que, para se protegerem, as pessoas LGBTQIA+ procuram estar perto de quem as quer bem, mas diz que as políticas precisam ir mais além, buscando garantir acesso à educação, emprego e renda. “No município, isso garantiria que a gente não ficaria à mercê de mudanças no Poder Executivo, e nossos direitos não seriam tratados como um favor pelo Poder Público”. (Assista à íntegra do depoimento de Tatiana)
Assessor do vereador Átila A. Nunes (DEM), Alessandro Valentim afirma que o principal desafio para o homem gay hoje é ser respeitado no âmbito profissional. "As pessoas acham que por você ser gay elas têm o direito de debochar, de rir, do seu jeito, sua voz sua roupa", relata. (Clique aqui para ver o depoimento de Alessandro)
Ainda em 2008, ano da I Conferência Nacional GLBT, promovida pelo Governo Federal, a Câmara do Rio aprovou a Lei nº 4.766, de 23 de janeiro de 2008, que criou, no âmbito do município do Rio de Janeiro, o Programa de Assistência à Diversidade Sexual e de Combate ao Preconceito e à Discriminação. De autoria do ex-vereador Pedro Porfírio, a lei determina que o Poder Público estabeleça convênios com organizações governamentais, não governamentais, associações civis, religiosas, profissionais liberais e autônomos para a realização do programa.
Recentemente, a Câmara aprovou ainda o projeto Reviver Centro (PLC 11/21), que modifica regras urbanísticas na região central da cidade para atrair moradores, por meio da reconversão de unidades comerciais em residenciais e construção de novos prédios de moradias. O texto foi aprovado com artigos que incluem a pauta LGBTQIA+ no âmbito do projeto, determinando o apoio a ações culturais que promovam a diversidade e o combate à violência contra minorias, além do desenvolvimento de um programa de educação cidadã voltada aos direitos humanos e combate à discriminação.
Projetos em tramitação
Ainda tramitam na Casa Legislativa outros projetos voltados à diversidade LGBT. A vereadora Monica Benicio (PSOL) propôs o Projeto de Lei nº 8/2021, que inclui no calendário oficial da cidade o Dia Municipal da Visibilidade Lésbica, em 29 de agosto. De acordo com a parlamentar, a invisibilidade das mulheres lésbicas tem consequências. O dossiê “As histórias que ninguém conta”, elaborado pelo Grupo de Pesquisa Lesbocídio, aponta que 126 mulheres foram mortas, de 2014 a 2017, por serem lésbicas. Em 2017, 37% das mortes ocorreram no Sudeste. Do total, 55% foram executadas com armas de fogo; 23%, por facadas.
A proposição é uma homenagem à sua companheira e vereadora assassinada em 2018, Marielle Franco, que chegou a apresentar o Projeto de Lei nº 82/2017, com a mesma abordagem, mas acabou sendo arquivado. “A violência contra mulheres lésbicas decorre da lesbofobia estrutural, que é reforçada pela invisibilidade. Essas violências se agravam quando associada à classe, à raça e à deficiência. Mulheres lésbicas negras estão em situação de maior vulnerabilidade, imposta pelo racismo estrutural”, destaca Benicio.
A parlamentar ainda solicitou o desarquivamento do Projeto de Lei nº 72/2017, de autoria de Marielle Franco, que inclui no calendário oficial da cidade do Rio, 17 de maio como o Dia Municipal da Luta Contra a Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia. A data foi escolhida pelo fato de a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirar a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) em 17 de maio de 1990.
Para a assessora do gabinete da vereadora Thais Ferreira, Juliana Candido, pensar política pública para a comunidade LGBT é pensar também em políticas diversas e plurais. "Temos interesses diversos, fazemos coisas diferentes e vivemos realidades diferentes", aponta. Ela ainda reforça a importância das pessoas LGBT ocuparem as casas legislativas para que suas demandas possam chegar nestes espaços públicos. (Veja a fala de Juliana)
Discriminação é crime
Um levantamento da Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia registrou a ocorrência de 237 mortes violentas de LGBTs em 2020 no Brasil. Foram 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). Houve um aumento, na comparação com o ano de 2019, das mortes de travestis e mulheres transexuais. Foram 161 travestis e mulheres transexuais (70%), 51 gays (22%), 10 lésbicas (5%), 3 homens transexuais (1%), 3 bissexuais (1%) e 2 homens heterossexuais confundidos com gays (0,4%) mortos no ano passado.
O levantamento identificou 74 pardos e pretos (54%) e 62 brancos (46%) entre os que morreram. O Nordeste ocupa o primeiro lugar em número de mortes com 113 casos, seguido do Sudeste, com 66. As regiões Norte e Sul totalizaram 20 mortes cada. No Centro-Oeste, 18 mortes.
No entanto, para o assessor Rodrigo Veloso, do gabinete da vereadora Thais Ferreira, apesar de os casos de violência física contra a comunidade LGBT chamarem mais a atenção, muitas vezes a violência psicológica acontece antes, com deboche, estigma, menosprezo e isolamento. Entre os principais problemas, Veloso destaca a pobreza, a depressão e a AIDS. "A maioria das pessoas LGBT no Rio de Janeiro morre por causa de um destes pontos ou da combinação entre eles", reforça. O assessor ainda declara que as casas legislativas precisam da participação das pessoas LGBT na proposição de políticas públicas. "É importante que a nossa vivência e experiência no dia dia tenham eficácia na forma do que está sendo produzido no espaço do legislativo". (Clique aqui e veja a fala completa)
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada crime. Até que o Congresso Nacional publique uma lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram na tipificação da Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989).
Entenda o significado de LGBTQIA+
Lésbicas: são mulheres que se sentem afetivamente e sexualmente atraídas por outras mulheres.
Gays: são homens que se sentem afetivamente e sexualmente atraídos por outros homens.
Bissexuais: são pessoas que se sentem afetivamente e sexualmente atraídas por pessoas de quaisquer gêneros.
Trans: pessoas que possuem uma identidade de gênero diferente da do sexo biológico.
Queer: pessoas que não se enquadram em nenhum dos gêneros binários.
Intersexo: pessoas que nasceram com condições biológicas em que o gênero não é definido.
Assexual: pessoas que não sentem atração sexual e/ou afetiva por ninguém.
+: Todas as outras formas de expressão da sexualidade e do gênero que não se enquadrem no padrão heteronormativo e nos termos supracitados.
Veja mais depoimentos de funcionários da Câmara do Rio:
Agatha Xavier, assessora do gabinete da vereadora Thais Ferreira (PSOL).
Kaleu Menezes, assessor do gabinete da vereadora Thais Ferreira (PSOL).